Sintonia entre campo e indústria garante valorização do trigo

15/07/2013 10:34

 



Sintonia entre campo e indústria garante valorização do trigo
 
Separar o trigo através da determinação do pH é uma prática antiga:  lotes com pH acima de 78 eram destinados à indústria moageira e os com pH abaixo desse índice eram usados para ração animal. Entretanto, hoje o setor tritícola possui um desafio muito maior: a segregação do grão de acordo com o uso que ele terá na indústria alimentícia.

De acordo com o assessor técnico da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo), Luiz Carlos Caetano, 55% do trigo brasileiro é destinado para a produção de pão, 15% para a fabricação de macarrão, 12% para farinha de uso doméstico e 10% para biscoitos. 

A pesquisadora e coordenadora da unidade de cultivos de inverno da Fundação Pró-Sementes, Kassiana Kehl, explica as características que diferenciam os trigos e suas aplicações na indústria. Os trigos brandos possuem baixa força de glúten (W) e, por isso, quando processado, a massa cresce pouco; seu uso é recomendado para a fabricação de biscoitos, massas para pizzas e massas frescas (caseiras). “É um nicho de mercado pequeno, mas que precisa ser atendido”, afirma. Já os trigos do tipo pão, apresentam força de glúten (W) mais elevada, o que resulta em massas que crescem mais. É utilizado para fabricação de pães, massas alimentícias secas e folhados. Os melhoradores, por possuírem teor de W muito alto, costumam ser misturados a outras farinhas para equilibrar a força de glúten. 

A divisão pode parecer simples. Entretanto, de acordo com Luiz Carlos Caetano, atualmente, alguns moinhos fabricam mais de 50 tipos de farinhas. A situação fica ainda mais complexa porque é preciso levar em consideração que uma cultivar de trigo pão nem sempre apresenta as características para se enquadrar nessa classificação. Chuvas, geadas e outras intempéries podem impedir que os materiais expressem seu potencial máximo. “A força de glúten depende muito das condições climáticas e do manejo adotado pelo produtor”, adverte Kassiana.

“As cultivares estão melhorando e chegando ao padrão que a indústria precisa; as empresas de melhoramento abraçaram a ideia do trigo pão e melhorador”, diz Caetano. Para o assessor da Abitrigo, o trabalho para chegar ao resultado esperado deve ser feito tanto na área do melhoramento genético quanto no campo.

É o que vem fazendo desde o ano 2000 a Cooperativa Agrária, que atua na região de Guarapuava (PR). Rudolf Gerber, coordenador do moinho da cooperativa, explica que um sistema rastreia as cultivares retiradas pelos cooperados, que também recebem acompanhamento da assistência técnica da instituição. Com todas essas informações, fica mais fácil segregar o produto. Ao entregar os grãos, o agricultor é orientado a informar a cultivar. Este é o primeiro item a ser considerado para segregar o trigo. Os que sofreram danos por questões climáticas, como excesso de chuva, também são separados. Dessa forma, diferenciação dos outros parâmetros qualitativos do trigo é simplificada.

Para evitar misturas indesejadas, que acabam por reduzir a qualidade de produto, um bom sistema de armazenagem é fundamental. Gerber ressalta que a Cooperativa Agrária possui uma boa estrutura para a recepção dos grãos, com grande número de moegas e silos. Este tipo de investimento, segundo Caetano, é o ideal para segregar e guardar a produção, que poderá, inclusive, ser negociada em momento oportuno.
O processo resulta em um produto uniforme e sem variações ao longo do ano. Atualmente, o moinho da Agrária atende grandes empresas dos segmentos de biscoitos, pães e massas, e cada uma adquire a matéria-prima que melhor se adapta aos produtos que irá fabricar. “Nosso cliente sabe que a farinha atende às necessidades da sua indústria”, afirma Gerber.

As dificuldades de se chegar a um sistema de segregação são muitas, como por exemplo, a falta de estrutura apropriada. Isso faz com que a prática de misturar materiais com qualidades diferentes para obter um nível aceito pelo mercado ainda seja comum, afirma Igor Pires Valério, melhorista da Biotrigo Genética. “Dessa forma, o produtor deixa de ganhar mais com o trigo de melhor qualidade”, comenta Valério. Isso também acontece, segundo o melhorista, porque o mercado ainda não está pagando por um trigo diferenciado, com alto teor de proteína.

Ainda que os obstáculos sejam muitos, a segregação é uma tendência. “Acredito que esta seja a saída em termos de mercado”, diz Valério. Profissionais do setor são unânimes em afirmar que a destinação correta dos grãos de trigo acarreta muitas vantagens. Farinhas padronizadas, que atendam às exigências dos diferentes segmentos da indústria abrem novos mercados e valorizam a produção de cereais de qualidade. “Plantando materiais com as características buscadas pelo mercado, o agricultor ganha em liquidez; não adianta se preocupar apenas com o rendimento”, alerta Gerber. “É preciso parar de ter excesso de trigo sem mercado”, complementa Caetano.

Nesse sentido, o melhoramento genético entra como um importante aliado. “Oferecer materiais que tenham demanda de mercado é muito importante, assim como repassar informações corretas sobre esses produtos”, avalia Igor Valério, da Biotrigo. Além disso, para o assessor da Abitrigo, um dos caminhos que facilitaria o trabalho de segregação no Brasil é a diminuição da quantidade de cultivares de trigo disponíveis do mercado. Atualmente, o zoneamento agrícola do Ministério da Agricultura indica 97 cultivares. Destas, em torno de 20 são comercialmente representativas. “As cultivares mais plantadas não são necessariamente as que melhor atendem a indústria”, pondera Kassiana Kehl, da Fundação Pró-Sementes.

Entretanto, de acordo com Luiz Carlos Caetano, o que mais preocupa os moinhos é a Deoxinivalenol (DON). Também conhecida como vomitoxina, é uma micotoxina produzida por espécies de fungos do gênero Fusarium. “Além de causar queda na produção e perda de qualidade, os grãos infectados ou “giberelados” trazem consigo a Deoxinivalenol, uma micotoxina de grande risco a saúde humana e animal”, explica Kassiana Kehl.

Mas um correto controle de qualidade do trigo leva em consideração muitos outros fatores. O proprietário da panificadora Lago Pão de Passo Fundo (RS), Robson Lago, por exemplo, busca uma farinha de cor branca, com boa força de glúten, teor de W entre 320 e 380 e número de queda de 280 a 450. Lago conta que, por não encontrar no Brasil uma farinha com as características que procura, acaba importando a matéria-prima, principalmente da Argentina, do Canadá e dos Estados Unidos.

Mesmo com tantos avanços, Luiz Carlos Caetano diz que “ainda somos um bebê com relação às novas regras de classificação do trigo”. “A qualidade do trigo brasileiro melhorou e está trilhando o caminho certo; os moinhos não querem importar, querem produtos de qualidade”, complementa.

 

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